domingo, 28 de novembro de 2010

Saudades em lágrimas

          Um pingo de lembrança caiu em forma de lágrima.
          Sentados nós dois no sofá da minha casa. Eu segurava as suas mãos, docemente sentia os seus lábios. O seu abraço era quente e confortável.
          Abro os olhos e deixo mais uma lembrança escorrer no rosto triste e pálido.
          Abraçados estávamos, e não sabíamos o que nos iria acontecer depois de um mês.     Eu sentia que aquele instante era a nossa despedida e que nada mais seria igual, meu coração batia tão forte que até hoje posso sentir a sua intensidade.
          De olhos fechados mesmo, desenho a continuidade dessa lembrança.
          Agora, deitado em meu colo, vidro-me no teu olhar. Nada, nada mais vinha em minha mente além do seu doce olhar. Ele nunca tinha me olhado daquele jeito, jamais me olharia de novo assim. Nesse momento me desmanchei, e até criei um poema, no entanto dele eu conseguir esquecer. Eu te decorei de forma que eu não pudesse mais esquecer os teus olhos. É! Realmente o que sinto é amor. Então ele teve que ir embora, após isso nada mais foi igual.
         Olho-me no espelho, escuto uma música de melodia suave e deixo outra lembrança derramar.
         Agora ele está de distante, atravessa a rua. Eu o vejo, mas me recuso a declarar isso. Permito-me passar por ele e finjo não sentir a sua presença. Com o coração na mão não viro rosto para vê-lo e mais, seguro o meu corpo para não correr para os seus braços.
         Espremo os olhos e deixo escorrer a última recordação.
Abaixei a cabeça e tentei não ver o olhar que até hoje me atormenta em sonhos. E minto para mim dizendo que consigo viver sem esse amor.


J.A. De Jesus

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A história de uma raposa


E foi então que apareceu a raposa:

- Bom dia, disse a raposa. 
- Bom dia, respondeu polidamente o principezinho que se voltou, mas não viu nada. 
- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira... 
- Quem és tu? Perguntou o principezinho. 
Tu és bem bonita. 
- Sou uma raposa, disse a raposa. 
- Vem brincar comigo, propôs o príncipe, estou tão triste... 
- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. 
Não me cativaram ainda. 
- Ah! Desculpa, disse o principezinho. 
Após uma reflexão, acrescentou: 
- O que quer dizer cativar?

Ninguém entende como é difícil para uma raposa de uma só vez se encanta pelo primeiro príncipe que encontra. Tudo bem que logo de primeira vemos que é um ótimo rapaz e de uma integridade e inteligência sem medições. Porém era necessário sim criar os nossos laços.

- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa.
Significa criar laços...
- Criar laços?
- Exatamente, disse a raposa. Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos.

E eu não tenho necessidade de ti.
E tu não tens necessidade de mim.

Por mais que me parecesse diferente de todos os garotos que já vi, eu ainda não necessitava dele e nem muito menos de sua amizade. Aquele jovem príncipe não era mesmo do meu mundo e eu não sabia se podia confiar nele. No entanto eu precisava ser única ou pelo menos assim me sentir. E o Pequeno Príncipe me pareceu ideal.

E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento do trigo... 
A raposa então calou-se e considerou muito tempo o príncipe: 
- Por favor, cativa-me! disse ela.

Era jovem, mas experiente eu pude me encantar por aquele pequeno. Mesmo me submetendo a loucura de ser desapontada fui com tudo nessa jornada. Mas como tudo...
Assim o principezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:

- Ah! Eu vou chorar.
- A culpa é tua, disse o principezinho, eu não te queria fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...
- Quis, disse a raposa.
- Mas tu vais chorar! disse o principezinho.
- Vou, disse a raposa.
- Então, não sais lucrando nada.
- Eu lucro, disse a raposa, por causa da cor do trigo.

É eu sabia que tinha que me deixar, mas agora eu sou única para ele, e ele é único para mim. Agora a cor dos trigos, e o vento passando entre eles podem matar a saudade que sinto dele. Eu chorei e chorei muito, na verdade ainda choro, mas eu sei que ele deve está seguro em algum lugar.

J.A. de Jesus

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Onde foi parar o tempo?

Havia mais terrenos baldios. E menos canais de televisão. E mais cachorros vadios. E menos carros na rua.Havia carroças na rua. E carroceiros fazendo o pregão dos legumes. E mascates batendo de porta em porta. E mendigos pedindo pão velho. Por que os mendigos não pedem mais pão velho?

A Velha do Saco assustava as crianças. O saco era de estopa. Não havia sacos plásticos, levávamos sacolas de palha para o mercado. E cascos vazios para trocar por garrafas cheias. Refrigerante era caro. Só tomávamos no fim de semana.

As latas de cerveja eram de lata mesmo, não eram de alumínio. O leite vinha num saco , ou o leiteiro entregava- o em casa, em garrafas de vidro. Cozinhava-se com banha de porco. Toda dona-de-casa tinha uma lata de banha debaixo da pia.

O barbeador era de metal, e a lâmina era trocada de vez em quando. Mas só a lâmina. As camas tinham suporte para mosquiteiro. As casas tinham quintais. Os quintais tinham sempre uma laranjeira, ou uma pereira, ou um pessegueiro. Comíamos fruta no pé. Minha vó tinha fogão a lenha. E compotas caseiras abarrotando a despensa.

Meu pai tinha um amigo que fumava palheiro. Era comum fumar palheiro na cidade, tinha-se mais tempo para picar fumo. Fumo vinha em rolo e cheirava bem. O café passava pelo coador de pano. As ruas cheiravam a café. Chaleira apitava. O que há com as chaleiras de hoje que não apitam?

As lojas de discos vendiam long plays e fitas K7. Supimpa era ter um três-em-um: toca-disco, toca-fita e rádio AM (não havia FM). Dizia-se 'supimpa', que significa 'bacana'. Pois é, dizia-se 'bacana', saca? Os telefones tinham disco. Discava-se para alguém. Depois, punha-se o aparelho no gancho. Telefone tinha gancho. E fio.

Se o seu filho estivesse no quarto dele e você no seu escritório, você dava um berro pra chamar o guri, em vez de mandar um e-mail ou um recado pelo MSN.

Estou falando de outro milênio, é verdade...

Mas o século passado foi ontem! Isso tudo acontecia há apenas 20 ou 25 anos, não mais do que o espaço de uma geração. A vida ficou muito melhor! Tudo era mais demorado, mais difícil, mais trabalhoso ...

Então por que engolimos o almoço? Então por que estamos sempre atrasados? Então por que ninguém mais bota cadeiras na calçada?

Alguém pode me explicar onde foi parar o tempo que ganhamos?

(Marcelo Canellas)

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Onde

Onde andará…
No bar da esquina
No canto que me alucina
Ou aqui nessa rima?
Será que anda pelo corredor
Naquela poesia de amor
Ou debaixo do meu cobetor?
Nessa noite tão insana
Será que tá debaixo da cama
Ou naquele copo de horror?
Talvez esteja por aí
Voando com um bem-te-vi
E trocando letras de amor
Ou talvez esteja aqui
Aqui dentro de mim
E eu apenas esqueci
Agora faz um frio
E eu só queria saber
Onde anda aquele sonho infantil
Por Bárbara Baracho

Eu já sabia

As lágrimas descem frias.
Eu sabia que você precisaria me deixar.
O coração bate de leve.
Eu entendo que tinha mesmo que me deixar.
Essa noite vou chorar até cansar,
mas amanhã sei que estarei melhor.
Pois, eu sabia que já era hora de dizer adeus.
No entanto as lembranças não me deixarão
(por bastante tempo)
em paz.

J.A. de Jesus